Há balanços que não são fáceis de fazer e... quando se trata de balanços de vida ainda mais difícil se torna... Gosto, no final de cada ano, de reflectir sobre os 365 dias anteriores e de que modo influenciaram ou não os meus dias . Este ano , bem antes do final de Dezembro, numa tarde de inquietação, como tantas que fui ultrapassando de um ou outro modo, decidi pegar numa tela pequena adquirida há uns meses e nas minhas tintas acrílicas, algumas já meio secas e guardadas numa caixa e pintar um pequeno quadro, consciente de que pintar , para mim, não é senão um gosto e um garatafunhar com pinceladas e cores o que me vai na mente. Sem técnicas, sem preocupações de perfeição, mas tão só um expressar de sentimentos ao sabor das cores e dos desenhos que vou criando.
Nessa tarde, reflectia sobre o ano que se aproximava do fim. E eram tantas as dúvidas, as certezas, as interrogações, as surpresas e as indignações que dei por mim desenhando e pintando sinais de pontuação, os mesmos que utilizamos na escrita para expressar o que a nossa entoação envia para os nossos interlocutores.
Neste caso, o meu interlocutor era uma pequena tela branca e a entoação residia nas cores que iam preenchendo os sinais desenhados a lápis, enquanto saboreava o sol na minha varanda.
Quando prestei mais atenção ao que estava fazendo, apercebi-me de que os sinais de pontuação ali pautados correspondiam a momentos vividos com todas as emoções possíveis ao longo dos 365 dias , quase a terminarem.
Foi este o resultado desssa tarde de emoção pura , tão imperfeito quanto a minha técnica pictórica, mas tão verdadeiro quanto os sentimentos que me dominavam durante aquela tarde.
As interrogações e dúvidas dominaram o ano. As grandes interrogações colocam-se a nível internacional... que futuro está reservado aos jovens nesta sociedade em que o valor máximo é atribuído ao capital e aos poderosos que dominam as relações internacionais? Que mundo está a ser deixado aos jovens que vão observando e constatando que direitos humanos são permanentemente mandados para o lixo, sob o pretexto do princípio reinante de “ é o menos mal”?
E a nível pessoal, que futuro aguarda os meus netos, tão jovens ainda, divididos por afectos e cheios de valores transmitidos no mundo virtual onde a violência real predomina e onde todos os conflitos se resolvem, recorreu ao uso da força? Será que o acompanhamento quotidiano basta para que uma percepção de valores morais e de justiça se tornem um lema das suas vidas? E se tal for real, como sobreviverão nesta sociedade apodrecida ?
Também foram muitas as surpresas e indignações . Surpresa pela ignorância patente no apoio que Trump vai recolhendo junto de populações marginalizadas num país que pretende ser o dono do mundo. Surpresa pela opção de brasileiros que devem uma escola para todos é uma bolsa família a um Homem que meteram na prisão, independentemente de erros que possa ter cometido.
.Surpresa e indignação surgiram mescladas com predomínio de uma ou outra , conforme as notícias iam sendo noticiadas por uns média, completamente manipulados pelos poderes nacionais e internacionais.
Reticências ou incertezas ou reflexões sobre os caminhos que governos e povos vão trilhando . Medo de conflitos que se vão generalizando por esse mundo, alimentados por poderes inconfessáveis e por pessoas que vão minando as relações sociais com especial cuidado entre familiares. Tudo se passa como se um mundo, em que o material prevalece, fosse ou estivesse a tornar-se no principal motor da sociedade.
Os laços familiares vão perdendo força. As famílias são modelos difíceis de compreender. Quantas crianças, por esse mundo fora, jamais poderão usufruir de uma simples festa de aniversário, com a presença dos seus progenitores! E não creio que o facto de terem mais do que uma festa os compense, em termos afectivos e emocionais da ausência de um deles, em dias tão importantes nas suas vidas e no seu crescimento...
Admiração pela esperança que ainda sobrevive em grupos significativos de homens e mulheres que não cruzam os braços perante a luta.
Admiração pelo sonho que ainda se instala no ser humano, procurando compensação para quotidianos menos risonhos.
O emprego estável, uma família unida, um futuro cheio de cor, o conhecimento de novos lugares e povos, o tempo para ler os livros que não leu, uma escola apetecível para todos.
Admiração ( ou surpresa? ou espanto ? ou indignação ?) pela confiança que ainda depositam em governos submetidos aos investidores, que dominam a arte da retórica e da simulação.
Certezas, ainda são muitas, o que permite a manutenção da minha saúde mental.
A certeza dos afectos sinceros entre maridos e mulheres, entre amigos recentes e de longa data , entre avós e netos , entre pais e filhos, entre irmãos e irmãs, entre vizinhos.
A certeza da força dos afectos.
A certeza dos sonhos de novos mundos e novas gentes.
A certeza de um sol que brilha para todos, apesar das chuvas e terramotos que assolam o planeta.
A certeza de que o mundo de cada um consegue vencer a incerteza do mundo global.
A certeza de que ainda vivi momentos muito agradáveis e outros ainda virão.
Ponto final neste balanço muito pessoal.