Sunday 3 June 2018

Tarde em Lisboa

Um almoço com gente que andou pela guerra pode parecer , a quem por lá não viveu ainda que por dois anos ou menos ou mais, momentos escusados de reviver tristezas e dores e lágrimas e raivas. Acredito que também eu, em alguns períodos da minha vida, tenha pensado assim. Mas o tempo.... ah... o tempo passando inexoravelmente por nós apazigua as dores de então e transporta-nos para outras dimensões de nós próprios.
Estas reuniões tornam- se momentos de paz, de reconciliação com o passado, de (re)viver momentos de violência com aqueles que a passaram connosco , de reencontrar episódios de sã camaradagem , de reconstrução de um passado que alicerçou os Homens que são hoje.
Foram momentos de dor e raiva, recordados hoje com pormenores a que então não prestaram muita atenção ou que fizeram por esquecer.
Passados quarenta anos ou mais, juntos reconhecem o valor da vida que conseguiram manter, da amizade desinteressada com que se ajudavam mutuamente, dos actos loucos que cometiam para esquecer o perigo que corriam e que hoje os fazem sorrir.
E as mulheres e familiares que não viveram em cenários de guerra mas acompanharam os sentimentos de revolta mais íntimos daqueles jovens de há tantos anos vão- se conhecendo, criando laços de amizade e solidariedade, que lhes permitem compreender atitudes dos companheiros muitas vezes difíceis de entender. São reuniões de Convivio, de amizade, quase terapêuticos para quem viveu momentos bem perigosos, com a Morte sempre à espreita.
A guerra deixou marcas muito profundas numa geração e num país que as gerações de hoje ignoram completamente. Mudaram os tempos, é certo, mas as manchas cinzentas, ainda que as tentei colorir hoje, permanecem e permanecerão enquanto estes homens e mulheres continuarem vivos. E hão- de permanecer para além deles, como factos da História de um Portugal governado por "abutres " que, como tão bem cantou Zeca Afonso, " comiam tudo então deixavam nada".



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