Hoje sinto- me assim...

                                      

Fotografia digital de Manuela Gonçalves

As palavras amontoam-se na cabeça, numa amálgama de letras, sons, sentimentos e lágrimas , incapazes de se soltarem uma por uma e caírem alinhadas em frases com nexo no teclado. 

O motor de um carro que se aproxima é o único som que se ouve nas redondezas da casita onde me refugio .

 A cabeça do ser humano é mesmo um mundo por  decifrar. 

Alergias e tristezas, certezas e dúvidas, palavras e frases, com ou sem sentido mas habitantes naquele cantinho a que chamamos cérebro... Sem palavras , não existimos. 

Será que o mundo são palavras? 

Quem não se sentiu já impotente para descrever o que realmente deseja ou não? 

Quem não sonhou já com realidades inatingíveis? 

Quem não culpou já outros por sonhos que não cumpriu por medo ou comodismo? 

Se as palavras são insuficientes , que dizer dos sentimentos que albergamos, bem escondidinhos numa parte do nosso corpo que não conhecemos? 

Uns falam em alma, outros em espírito, outros em mente... É indiferente o nome que lhe queiram atribuir . A verdade é que somos incapazes , muitas vezes, demasiadas até, de reproduzir o que sentimos, o que desejamos, o que queremos ou não... 

A verdade é que calamos , muitas vezes, o que sentimos, em nome do amor, da amizade, do politicamente correcto, da educação que é suposto termos... 

Muitos encontram em Deus, seja sob que forma for, o refúgio para as incertezas que os domina e acreditam no poder divino. 

Nunca consegui compreender, e gostava mesmo de fazê-lo, como se pode acreditar numa entidade com poder que permite tanta violência e agressividade no mundo. Uma frieza tão grande, incomensurável , não é compatível com  a humanidade de quem quer que seja.

  E na cabeça não se consegue mandar... 

Os pensamentos habitam-nos e preenchem -nos  mesmo contra a nossa vontade. 

Quem não sentiu já uma raiva tamanha capaz de nos levar à violência , apesar de sermos o mais pacífico dos seres? 

Quem não teve já pensamentos inconfessáveis para si próprio, que racionalmente e a frio jamais teria? Controlo, dizem - nos, é que devemos ter ... E é  o controlo que nos diferencia dos seres irracionais... Será? Os animais dão - nos lições de vida, de controlo mesmo, que nos deixam surpreendidos e até embasbacados. Afinal, não seremos todos irracionais? Ou uma parte de nós,pelo menos. 

Olho as árvores que me rodeiam ,  em frente do lugar em que sento, e  sinto a paz  e  cores da natureza ... 

Em simultâneo, na cabeça ,  imagens de violência real , noutros lugares também habitados por gente, com cores intensas de chamas, de guerra, de sangue ... E a natureza sobrevive, com cores , enquanto as gentes caem aniquiladas, sem qualquer capacidade de resposta ou de defesa..

Só as cores permanecem, intensas ou suaves, saturadas  ou esbatidas, mas sempre com algo de belo que custa a admitir, pela violência que as gerou... 

Hoje, sinto-me assim...